04 fevereiro 2008

Entrudo VS Carnaval



É chegada a época do ano em que, ao aproximar da Quaresma, todos os excessos são permitidos, em festa e folia. No entanto, o tradicional Entrudo português tem-se perdido na memória e no tempo e urge recordá-lo.

Etimologicamente distintas, as palavras Entrudo e Carnaval remetem para o período entre o Domingo da Septuagésima e a Quarta Feira de Cinzas. Entrudo, provavelmente derivado da palavra latina introitus (entrada), estaria relacionado com as Saturnalias, festas em honra de Saturno que comemoravam o despertar de um novo ciclo da Natureza. Carnaval poderá ter derivado da palavra latina carnevale (adeus carne), anunciando assim que a Terça-Feira Gorda é o último dia do calendário cristão em que é permitido ingerir carne, da palavra carnevalemen (o prazer da carne), ou ainda de carrus navalis (barco com rodas), reportando para as festas em honra a Dionísio nas quais um carro, transportando um grande tonel, distribuía vinho aos foliões da Roma Imperial.

Anunciando o período de abstinência da Quaresma (Quarenta dias de preparação para a Páscoa, estabelecidos pela Igreja, durante os quais se deverão fazer sacrifícios para purificação do corpo e da alma), o Entrudo era celebrado com uma alimentação melhorada, assumindo a carne de porco particular destaque, distinguindo-se por ser um momento de exageros, de abuso de tudo aquilo que será proibido nos dias subsequentes. Enquanto o Entrudo era a expressão utilizada junto das camadas mais populares na Época Medieval, “Carnaval” surge como novidade nos meios citadinos. Nos inícios do séc. XIX, a revolução económica, social e cultural faz emergir uma nova classe social - a burguesia - que vivia o Entrudo com a classe e o requinte das festas inspiradas no Carnaval italiano. Apesar de algumas famílias terem enriquecido, a grande maioria da população permanecia pobre ou remediada, servindo as ditas famílias. O Entrudo popular era normalmente vivido, na cidade, de forma caricatural, ridicularizante e ofensiva, sendo que os foliões lançavam uns aos outros todo o tipo de líquidos, pós, frutas e/ou objectos.

Na Beira, o Entrudo festejava-se de modo muito simples, muito popular, mas divertido. Sem grandes abusos e desregramentos, em quase todas as aldeias saíam à rua figurantes mascarados, com roupas velhas e rasgadas, cantando e dançando, gritando e assustando com paus quem passava. Percorriam as ruas, visitando as tascas e adegas, sendo convidados a beber. Quando os foliões encontravam alguma porta aberta, atiravam lá para dentro cacos velhos, bugalhos e pedras, para desespero das donas de casa. As rusgas de mascarados, as engenhosas partidas de Carnaval, exibidas por foliões nas ruas e nos bailes, e os entremezes de rua como formas de crítica a situações sociais e comportamentos pessoais menos aceitáveis, para todos os padrões da época, constituíam o tradicional Entrudo.

No Paul, a meio da noite, um ou mais grupos de foliões passeavam-se pelas ruas, expondo histórias burlescas sobre casos escabrosos que se passavam na aldeia, quase sempre reais mas ampliadas pela imaginação. Falavam da vida de todos divulgando o que já toda a gente sabia, mas que alguns não queriam ver revelado. Quem ainda se lembra?

Do verdadeiro e tradicional Entrudo português, provocador, desordeiro, onde a falta de respeito era tolerada até ao limite da paciência, já pouco resta, tendo sido substituído, em muitos casos, pelo Carnaval brasileiro (o qual tem origens no Entrudo português), nos corsos compostos por figuras de corpo ao léu, sob o frio e a chuva invernal, que percorrem as ruas das cidades.



E porque "é Carnaval, ninguém leva a mal", a todos aqueles que nos visitam, deixo aqui o desafio:

Lembre-nos e conte-nos como, para si, era o Entrudo antigamente...