15 março 2008

Procissão dos Penitentes

"No cortejo dos penitentes
Os sacerdotes de austera vida
Vão contentes e muito enfeitados
Sob as cinzas dos Sacrificados..."
Fausto Bordalo Dias



Não se sabendo ao certo de onde remonta a sua origem, a Procissão dos Penitentes é, no Paul, uma prezada tradição, que se realiza anualmente, numa das sexta-feiras da Quaresma. E se, para muitos, a curiosidade passa por ir "espreitar" a manifestação, para mim, leva-me a pesquisar as sua história.

O cortejo é composto por homens da Vila, envoltos em lençóis brancos, com uma coroa de silvas entrelaçadas na cabeça e descalços. Cada homem leva um instrumento (candeias, crucifixo, cruz, escada, varas, cesto com pregos, martelo, látego, relha e vassoura de giestas) e caminha em silêncio. Cada instrumento tem uma simbologia e utilidade própria. Por exemplo, as varas serviam para afugentar os curiosos e destabilizadores; o Penitente que arrasta a relha atada à perna direita representa o pecador que arrasta consigo os seus pecados; o Penitente que "apanha os passos", seguído por aquele que leva a vassoura, com a qual varre os pecados das costas do seu antecessor, representam a purificação.

À meia noite, apagam-se as luzes da Vila e inicia a procissão junto ao adro da Igreja, seguindo pela Rua de cima, passando pela Capela do Espírito Santo, pela Rua da Lameira, pelo Largo da Praça, regressando ao Adro da Igreja, enquanto se ouve o arrastar da relha nas pedras da calçada e o chocalhar da cesta de pregos. De quando em quando, a procissão pára e os "Regradores" cantam num tom funéreo:

"Óh meu bom Jesus,
Pelos tormentos que passasteis na Cruz,
Tende misericórdia das Almas!"

E, em voz grave, com o mesmo tom soturno, os Penitentes respondem secamente em unissono:

"E de nós... E de nós!!!"

Açoita-se três vezes o Penitente com látego, que leva uma pele de ovelha no ombro, e segue a procissão.

Tudo isto, hoje, não passa de uma representação, ainda que com toda a sua simbologia. Mas quais as origens de tal manifestação?

Na Idade Média, as penitências e romarias religiosas começaram a ganhar peso, sob a influência da Igreja Católica, que incentivava os fiéis para tais práticas, no intuito de purificar a alma dos pecados. Aproveitando a oportunidade de purificação, os homens auto-flagelar-se-iam na Procissão dos Penitentes, na ânsia de reproduzir e sentir o sofrimento de Cristo.

No entanto, a auto-flagelação é um acto pagão, tendo sido sempre condenada pela Igreja Católica e, por isso, a Procissão dos Penitentes terá provavelmente origem pagã. A ausência de pároco na formação da procissão também poderá demonstrar esta hipótese. Deste modo, há quem acredite que a cerimónia poderia servir de prece dirigida a Deus nos tempos de Peste Negra, julgando-se ser este um castigo dos Céus. Há também quem fale em leprosos e tuberculosos refugiados nos montes da nossa região, que só desciam em procissão à Vila, envoltos em lençóis brancos, quando a população já descansava, procurando o perdão de Deus pelos pecados que teriam cometido, dando origem à doença. A "relha" (ferro do arado) que um dos homens arrasta pelas pedras da calçada serviria para avisar a chegada dos Penitentes.

De qualquer modo, numa mistura de fé e arrebatamento, de transcendência e misticismo, a Procissão dos Penitentes é uma cerimónia trágica e impressionante, que chega, segundo alguns, a "arrepiar a espinha", que se irá manter, com toda a certeza, nas tradições do Paul, por várias décadas!

1 Rebolos:

Etelvina Silvestre disse...

E importante sabermos coisas que nascemos a ouvir falar nelas e nunca ninguem nos esplicou significado. Um muito obrigado ao Sr. Fausto Dias,pela esplicassao desta tradicao.

Nao sou do Paul, mas era o meu Avo Materno, por isso gosto de ler e saber as tradicoes da terra..Muito origado..Etelvina.

30/1/10 17:52