06 fevereiro 2009

Fome Um "Mal" Camuflado"

Relatos dramáticos de quem não tem comida para os filhos

fotoHá pessoas a passar fome. Mas ninguém sabe quantas porque muitas delas escondem-se atrás da vergonha de pedir ajuda. Instituições dizem que flagelo está a aumentar com o desemprego


COM a morte do marido, há três anos, a fome passou a rondar a casa onde Lurdes Farinha vive com os filhos, em Atalaia do Campo, concelho do Fundão. “Foi como se o telhado de casa me caísse em cima. Começámos a passar mal. Os meus filhos pediram-me muitas vezes pão e não o tinha para lhes dar”, conta esta mãe coragem que se prepara para iniciar uma nova experiência profissional em que deposita grandes esperanças. Apoiada pelo Centro de Emprego, vai tentar a sorte como vendedora ambulante: “Estava no desemprego, deram-me essa oportunidade e vou agarrá-la com todas as minhas forças. Começarei logo que chegue o apoio para comprar a carrinha”, afirma esperançada no êxito dessa nova experiência profissional, que, ironicamente, está a gerar algumas dificuldades adicionais: “Tive que me riscar do desemprego e deixei de receber o rendimento mínimo. Este mês, não tenho direito a nada mais, além da pensão de sobrevivência (141 euros) e dos abonos dos meus filhos”. Diz que, no total, são pouco mais de 300 euros para o mês inteiro num agregado familiar, constituído por ela e três filhos, já os mais velhos vivem em Castelo Branco.

A vida tem pregado duras partidas a Lurdes Farinha. Foi mãe aos 15 anos e tem cinco filhos, (quatro rapazes e uma rapariga) o mais novo dos quais com cinco anos. Há três anos e pouco que o desespero não lhe dá tréguas. Primeiro, foi a doença incurável do marido. Desempregou-se para “tomar conta” dele, mas os esforços foram em vão e se os dias desta família já eram difíceis, mais negros ficaram. “A minha vida mudou em tudo. Passámos a ter muitas dificuldades e houve dias em que nem pão tinha para dar aos meus filhos”. Valeram-lhe o Centro de Dia de Atalaia do Campo, onde chegou a trabalhar e a delegação da Cruz Vermelha no Fundão. ”Não tive ajuda de mais ninguém. Devo-lhes muito. São favores que nunca se pagam”, confessa, recordando que “depois da morte do meu marido, ninguém se chegou ao pé de mim para me perguntar se eu e os meus filhos tínhamos fome”. O meio rural também já não é o que era.

Lurdes Farinha descobriu a ajuda da delegação da Cruz Vermelha do Fundão (que trabalha em colaboração com o Banco Alimentar da Cova da Beira) através de uma assistente social da Segurança Social, sensibilizada com o drama desta família. Ficará grata, para sempre e não esquece o dia em que bateu, pela primeira vez, à porta da Cruz Vermelha. Um dia de Inverno que fez a alegria dos filhos. “Cheguei a casa com um bocadinho de tudo. Foi muito bom!” Não tem vergonha de pedir comida para dar aos filhos. “Vergonha é roubar”, explica, determinada, esta jovem mulher cuja experiência de vida não cabe nos seus 36 anos, mas é denunciada pelo rosto. Não quer “a mesma sorte” para a filha de 19 anos, que se prepara para ingressar no ensino superior. “Trabalha sempre nas férias e nos fins-de-semana para arranjar dinheiro para continuar a estudar. Quer ser nutricionista e há-de conseguir”, vaticina, orgulhosa da filha.

Nas casas onde não há pão, a chegada da ajuda alimentar é “uma alegria”. Sobretudo para os mais novos, a quem o estigma da falta de condições marca para a vida. Para a pequena Verónica, o dia de hoje é especial. Veio, com a mãe (Graça) e uma irmã, buscar ajuda alimentar. Tem cinco anos mas sabe que no regresso a casa, também em Atalaia do Campo, haverá mais comida, do que habituamlente, na mesa. Os olhos de Verónica não largam os cereais e as bolachas. É mais um caso gritante de falta de meios. Mãe, (divorciada, sem ajuda do ex--marido) e cinco bocas (entre os 16 e os dois anos), para alimentar com o ordenado mínimo e a ajuda da segurança social. “Compro fiado, lá na terra. Pago quando recebo, mas fico logo sem ordenado. É a vida! Vivemos uns dias melhor e outros pior. Difícil é os filhos pedirem comida e não ter que lhes dar”. Baixa o rosto. Recompõe-se, afaga a pequena Verónica e sai porta fora, com os sacos. Pelo menos nos próximos dias, vai ter comida para alimentar os filhos!