05 setembro 2009

Um texto interessante...

Depois do adeus, as ruas são de silêncio e saudade


Eles foram com Agosto. Aldeias da Beira voltam a ter o silêncio como companhia. O Inverno também é estado de alma. O abraço do despovoamento voltou às ruas onde antes se expandia a alegria. As portas fecharam-se, as janelas cerraram-se.

O SILÊNCIO amanheceu mudo, composto e assertivo na sua posse do emaranhado de ruas em ressaca estival, adivinhada desde os confins de um sentimento de despedida que se foi adiando. Mas que termina sempre no apanhar das canas de uma festa que se consome nos últimos dias de Agosto.
Sim, o silêncio acabou de fechar o parêntesis que abriu em meados do Verão. Resolvida a consentida excepção, voltou a casa, à quietude por si amanhada das terras, ao declinar do Verão, ao assomo de Setembro, aos prenúncios outonais, aos maternos odores das primeiras chuvas em terra sequiosa. Nesta estrada que se rasga para além fica apenas a lembrança dos que partiram, e dos que continuarão a partir. Não muitos mais, porque poucos aqui estão. Até já as possíveis fugas são débeis neste território. No regresso, em sentido inverso, apenas o vaguear do vento, o silvo, os esgares da imprevisibilidade que por vezes de lá irrompem. Nada de mais.
Por aquela estrada partiram os filhos da terra que, ingloriamente, não conseguiu segurá-los. Partiram como partem quando Agosto declina, perto do ocaso do Verão. Eles foram com Agosto.
Para trás ficaram semanas de alegria reafirmada no reencontro com família e amigos. De ano a ano cumpre-se o ritual: aldeias insufladas de vida, retiradas da anemia do despovoamento. Mas o final de Agosto marca novo ocaso. “Ficam os velhos”, como alguém nos disse.
O amor é tramado
Espantoso duelo de sentimentos em Boxinos, pequena aldeia no coração do pinhal do concelho do Fundão. Lugar improvável para tal. Mas o amor é tramado. Já se saberá porquê.
A recepção é-nos feita pelo silêncio cortado a espaços pelo ladrar de um cão. Ninguém nas ruas. Está calor. Demasiado. É segunda--feira, dia de mercado no Fundão. Os emigrantes já partiram, deixando para trás as saudades junto dos seus. O silêncio reclamou, sem demoras, aquilo que é seu. Ninguém. Portas fechadas. Janelas cerradas. Apenas as hortas tratadas são testemunhas de vida que não há maneira de se vislumbrar. O carro fica estacionado no largo da igreja. Passo a passo em busca de diálogos que espantem este vácuo, este remanso. Na última rua da aldeia que falta calcorrear, de uma varanda, algo soa a português em esforço. Paul Jecinek apresenta-se. Apresentamo-nos. Conhece-nos de nome. Lê o Jornal do Fundão! Quando não entende as palavras, pede à mulher que as traduza. É alemão, 74 anos. Casou na Alemanha com uma portuguesa, natural dos Boxinos e ele – ao contrário dela – fez questão de vir morar para cá, para esta pequena aldeia de menos de 20 habitantes.
O amor é tramado.
Olívia Marques junta-se a nós. “Uma, duas, três, quatro, cinco casas fechadas. Foram as famílias de emigrantes que se foram embora”. Ou seja, as pessoas suficientes para duplicar os habitantes da aldeia. “Estiveram aí no Verão. Vieram no princípio de Agosto e abalam no final do mês”. Com a partida de metade da população neste ápice, perdeu-se “a alegria, tudo cheio de luzes... dá outra vida. Agora ficou tudo morto, tudo triste”, até porque “os mais novos vão todos para fora; vão para onde têm trabalho, casam-se e por lá ficam. Havia cá muita gente, mas agora está a ficar vazia porque a mocidade foi-se embora”, a maior parte para a Suíça e França. “Ficamos com saudades das pessoas, e ficamos tristes”.
Mas esta é uma história feliz. Olívia aos 26 anos também seguiu os clamores da necessidade e emigrou para a Alemanha. Esteve lá quase 28 anos e regressou à terra- -natal com o marido alemão. Ambos eram divorciados quando se conheceram. “Ele é que quis vir. Eu não queria vir, deixei lá a minha filha e os meus netos”. O amor é tramado. O alemão queria vir para Portugal e a portuguesa queria ficar na Alemanha. O consenso chegou há nove anos porque... o amor é tramado. Paul gosta de Portugal e o único reparo ao país vai para o sistema de saúde. De resto, valeu a mudança. Em casa, nos Boxinos, fala-se alemão. Paul fez questão de ter televisão por cabo para acompanhar as notícias do seu país, na sua língua. Os seus risos rompem o silêncio. São um casal feliz. Cativante. No ombro-a-ombro com o silêncio, o amor... é ensurdecedor.
Agora prepara-se a lenha


APENAS o carteiro destoa nas ruas vazias. Uma carrinha – a sua – consegue empatar a circulação e criar uma fila de trânsito. Ele, parado a entregar cartas e nós atrás. É o congestionamento possível por aqui. Ao fundo, de motosserra em punho, António Reis prepara a lenha para o Inverno. De partida, os emigrantes regressam aos países onde trabalham. Na memória ainda a recente festa da aldeia: “Foi uma bela festa, uma bela sardinhada. Foi uma festa impecável”, diz. “A aldeia muda muito quando eles cá estão... no Inverno estamos aqui só quase os velhos... tenho quatro filhos, e eles só cá vêm ao fim-de-semana, de vez em quando. E tenho ainda família no estrangeiro: Canadá, França, Itália”. A tentação de emigrar também convenceu António num período da sua vida: “eu estive em Itália sete ou oito anos... estive na França 12 ou 13 anos. Tenho sido um desgraçado e cada vez estou mais pobre”. Ri-se. “Andei por lá quase sempre sozinho, sem mulher e sem filhos. No fim de vir velho para aqui nem se gozava a mulher nem os filhos nem a casa que tenho”. Por isso veio. “E tenho o trabalho que quero”. Um deles é este, premente pelos vistos: cortar esta lenha para um Inverno que ainda parece demasiado distante. Na rua sua-se sob os 35 graus. Que não se fale em Inverno. Mas os emigrantes partiram. Por aqui o Verão acabou.
Regresso às aulas
NA LADEIRA, não há viva alma na rua. Ninguém no silêncio límpido trespassado pelo cair da água no tanque público da aldeia. Rumamos a Bogas de Baixo. No bar da recém-inaugurada piscina pública, Maria do Rosário, 16 anos, e Felisbela Miguel, de 18, vão gastando os últimos tempos das suas férias escolares. São do Maxial da Ladeira, mas vivem no Fundão em tempo de aulas. Os emigrantes também já partiram por aqui, eles que deram bom proveito à nova obra da freguesia. “Agora a piscina tem muito menos gente do que no início”, dizem.
Os amigos da sua idade também partiram. “No Maxial não há muita gente da nossa idade”, afirma Maria e por isso também adensa a saudade de uma aldeia cheia de vida que Agosto permite. “Temos festa lá, pessoas da nossa idade, temos sobrinhos, primos”. Mas o final de Agosto marca nova separação. Os tempos correm lentos por aqui. O Verão termina para muitos com a partida dos seus para além da fronteira física, para além da fronteira da saudade.
Remessas a baixar


ECONOMIA
Os portugueses radicados no estrangeiro enviaram 6,8 milhões de euros por dia para Portugal em 2008, menos um terço que o valor das remessas de há oito anos, segundo dados do Banco de Portugal calculados pela Lusa. Nos últimos oito anos, as remessas de emigrantes residentes no estrangeiro para Portugal caíram de 3,7 mil milhões de euros em 2001 para 2,5 mil milhões em 2008, ao que se traduziu numa queda de 33 por cento.
“A entrada de remessas dos trabalhadores portugueses radicados no estrangeiro têm vindo a diminuir nos últimos anos, o que se deve à nova geografia da população, reflectindo-se na balança de pagamentos”, disse à agência Lusa o economista João Ramos da Silva.
O professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, Ramos da Silva, destaca que alguns países exteriores à União Europeia, como Angola, Brasil, Singapura e a Venezuela, têm vindo a adquirir uma “importância acrescida” no novo mapa da emigração portuguesa. Como exemplo, cita o Brasil que teve um ligeiro decréscimo em 2006 e 2007, mas no ano passado registou um novo aumento: 25 por cento.
Em 2008, a Alemanha, França e o Reino Unido, as remessas de emigrantes caíram 13,4 por cento, para 147,6 milhões de euros e 4,2 por cento para 983 milhões de euros e 23,6 por cento para 125 milhões de euros, respectivamente. Dos grandes países da Europa, a Espanha foi a excepção, onde o valor das remessas dos emigrantes apresentou uma tendência crescente nos últimos três anos (19,9 por cento em 2006, para 61,8 milhões de euros, de 56,4 por cento em 2007, para 96,7 milhões de euros e 30,6 por cento em 2008, para 126,2 milhões de euros). in JF


Votos de um excelente fim-de-semana.

Saudações Cordiais,

Vizinha